quinta-feira, 30 de julho de 2015

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo VII

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes


De início, o casal de esposos, a quem chamaremos Rosa e Bernardino, sentiu escrúpulos em conviver com um escravo que trazia a lúgubre fama de criminoso inveterado. Mas, Fernando intercedeu por ele e, sob o bom trato do seu novo amo e daqueles amigos, Caetano tornara-se tão dócil e fiel que bem depressa mereceu a confiança de todos. 

Rosa, particularmente, condoía-se dele e tratava-o bondosamente. Estabelecidos em Minas Gerais, a vida de Bernardino e de Fernando prosseguia entre viagens através da Colônia ou a dentro das matas, à caça de pedrarias, de ouro, de riquezas variadas, com temporadas muito suspeitosas em Vila Rica, onde residiam e eram considerados espiões pelos brasileiros, que os temiam e se afastavam deles. Não obstante, passados três anos, já havendo explodido o trágico malogro da Conjuração Mineira e presos os seus coparticipantes, Bernardino, como funcionário da Coroa que se dizia, não obstante a licença que proclamava fruir, vira-se obrigado a visitar Lisboa, chamado a missões — explicava — tão importantes que lhe não seria permitido expô-las a quem quer que fosse, nem mesmo a sua mulher, e, como possuía já avultados interesses na famosa Província e tencionasse regressar dentro de pequeno prazo, ficara deliberado que Rosa — mulher ativa e experiente — ficaria à frente dos negócios, enquanto Fernando, amigo da casa como verdadeiro irmão, zelaria pelos mesmos, auxiliando a mulher com o seu tino experimentado, sempre que voltasse à Vila, retornando das singulares viagens com o escravo Caetano. 

Ora, para um caráter invigilante e frívolo, que não associa ao próprio respeito pessoal o respeito devido a Deus, à família e à sociedade, as oportunidades para a prática do mal, ou seja, as tentações mundanas se apresentam a todos os momentos, sob qualquer pretexto.

Rosa e Fernando, que até ali se haviam respeitado como bons amigos e irmãos, equilibrados no cumprimento do dever, pouco a pouco, animados pela ausência de Bernardino e por uma convivência assídua, deixaram-se conduzir ao sabor das paixões e sucumbiram a um delito grave de adultério, de traição aos deveres da honra pessoal e da respeitabilidade a Deus e às leis do Matrimônio.

Bem cedo, como seria de esperar, fez-se sentir o fruto dessa união pecaminosa.

Rosa tornou-se mãe na ausência do esposo e a situação alarmante desvairou o senso já abalado dos amantes culpados, pois esgotara-se o prazo para o regresso de Bernardino, que era esperado dentro em pouco.

E o crime foi cometido então, no próprio dia do nascimento da criança, sob o consentimento aterrorizado de Rosa, que temia a vingança do marido, e a resolução de Fernando, com a mesma perícia e desenvoltura com que nos dias atuais são praticados os infanticídios modernos, quando mães apavoradas ante o próprio erro, ou alguém por elas, preferem mais enegrecer a consciência, assassinando um ser indefeso que necessitaria reviver para Deus, através de uma encarnação, a assumir heroicamente a responsabilidade dos próprios atos, curvando-se às consequências dos desvairamentos cometidos, consequências que, por muito rígidas, comumente, poderiam realizar a reabilitação da pecadora perante si mesma e a sociedade e até perante Deus!

Era pouco mais das onze horas da noite.

Vagidos comoventes de recém-nascido ecoaram pela casa solitária, chácara vetusta dos arredores de Vila Rica. Fernando toma dos braços da escrava assistente o entezinho vigorosamente envolvido em panos, a fim de que seus lamentos fossem abafados... e esta conversação efetivou-se no extremo da grande chácara, à beira de um charco, entre o ex-oficial de bordo e seu escravo preferido, tornado cúmplice de suas aventuras pelo interior da grande Colônia:

— Que farei do nenê, Nhonhô?...

— Bem, Caetano... Eu não sei... Oferece-o a alguém, por aí... Será necessário que desapareça quanto antes, para se evitarem males maiores... Tu sabes...

Bernardino não está... Foi uma massada, foi... Enjeitá-lo à porta da igreja será perigoso... Serias reconhecido... As igrejas limitam com residências... Tudo se descobriria, o escândalo estrugiria e viria até mesmo a forca... Tu sabes, não sabes, Caetano .... Entendes o teu bom Senhor, que pela segunda vez quer te livrar da forca?

— Eh! Ah!... Entendo sim, meu bom “Sinhô”... Entendo sim, “Sinhô”...

— Então... Será bom que ninguém desconfie... senão será a forca para nós todos... A Vila é pequena, poderiam falar... ao passo que aqui, nesta chácara solitária... No fundo deste charco, quem poderia mergulhar para descobrir ?...

Entendes, Caetano ?...

— Entendo sim, Nhonhô, como não?...

Caetano assassinou friamente a criança recém-nascida, para satisfazer ao amo.

Mas receoso de que, enterrando-a, os porcos ambulantes, ou alguma plantação posterior nos terrenos da chácara, pudessem descobrir o pequeno cadáver, resolveu esquartejá-lo cuidadosamente, com sua faca de caça, com a qual já assassinara mais duas infelizes criaturas, durante as viagens com seu Senhor e por ordem deste; depois do que, envolvendo os pequeninos despojos numa cobertura de lã, amarrou o singular volume a uma grande pedra e atirou-o ao fundo lodoso do pântano, para o repasto das asquerosas feras aquáticas.

No espaço longínquo as estrelas cintilavam lindas e tranquilas, como desejando ocultar da Razão de todas as coisas o abominável ato contrário à harmonia das leis eternas, ato cujas repercussões se estenderiam sobre os criminosos como garras de inflexível monstro, que cobrariam o insulto aberrante contra a Natureza — imagem do Criador sobre a Terra...


Penalizado, ouvindo a exposição do mentor espiritual de Angelita, fácil fora às minhas conclusões compreender o que se havia seguido no destino daquelas três infelizes criaturas. Ali se encontravam elas, à minha frente, mui fortemente atadas umas às outras pelas repercussões conscienciais de um grande crime, para que dúvidas me pudessem advir sobre o que o futuro ainda lhes reservaria. 

Estudemos, porém, com o leitor atento, o enleamento do adultério e do infanticídio praticados em Vila Rica ao tempo dos Inconfidentes, nas suas consequências remotas, a fim de que o mesmo leitor, compreendendo as leis que regem os destinos da Humanidade, possa esclarecer os leigos quanto à severidade e justiça das mesmas leis, em lições prudentes e racionais aplicadas no convívio diário, lições que muito poderão contribuir para a educação das almas frágeis que ainda não puderam ou não souberam compreender que os mundos e suas Humanidades são regidos por uma justiça inflexível, que, a bem do próprio delinquente, dele exigirá atos condizentes com a harmonia da Criação, jamais sancionando desvios das rotas traçadas pela Legislação Suprema.

Olhei penalizado: ali estava Rosa, a esposa delinquente, revivida na personalidade da formosa e sofredora Angelita. Ali estava Fernando Guimarães, o amigo infiel e sedutor soez, o pai desalmado, ressurgido no belo varão Alípio, a quem eu vira chorar a noite toda sobre o drama do nascimento do seu primogênito.

E ali também estava Caetano, o antigo escravo, perverso e dissimulado, que, ligado a ambos por laços poderosos do passado, à sombra dos seus espíritos se homiziara, renascendo como filho primogênito, sacrificado pela Ciência, à frente de um parto em que acidentes imprevistos exigiram de um cirurgião ginecologista a necessidade extrema de um esquartejamento em condições dolorosas, para que seu nascimento, tornado impossível por vias normais, não causasse a morte àquela que durante nove meses o trouxera preso ao próprio seio! Como Espírito, Caetano, ligado a Angelita igualmente pelas poderosas cadeias magnéticas que estabelecem o período da gestação do feto até o momento do nascimento, cadeias que se prolongam durante toda uma existência, porque, incontestavelmente, um filho estará ligado a sua mãe por indefiníveis atilhos psíquico-físicos, até mesmo, muitas vezes, pelo Além-Túmulo a fora; Caetano, culpado muitas vezes, sofria ainda os reflexos da brutal operação que sua mãe padecera no instante de dá-lo ao mundo. 

Súbitos estremecimentos sacudiam-no. E, apavorado, como presa de cruel pesadelo consciencial, sua mente se aterrorizava ao sentir despedaçado aquele corpo que, em parte, ocupara, confusamente supondo haver-se tornado, por magias incompreensíveis, no mísero recém-nascido de Vila Rica, o qual ele mesmo estrangulara e esquartejara para melhor encobri-lo a um esposo ultrajado em sua dignidade matrimonial. Acheguei-me ao infeliz, procurando-o no domicílio já visitado.

Conjurei-o a despertar para Deus através de uma prece, a qual tentei ensiná-lo a extrair do coração. Disse-lhe da bondade paternal do Criador, cujas leis, estabelecendo uma inflexível justiça na punição do erro, também estabelecem o misericordioso ensejo para a reabilitação da alma culpada, e concitei-o a uma experiência de meditação para o arrependimento, a fim de que se conseguisse elevar das próprias misérias vislumbrando um caminho a perlustrar dentro da harmonia da legislação divina. 

Mas Caetano foi surdo aos meus convites para essas tentativas, talvez pela sua grande ignorância, sem a boa vontade para o progresso, ou talvez ainda padecendo a revolta das amarguras havidas durante a escravatura.

Fugiu, pois, espavorido, perseguido por visões e terrores inauditos, para retornar mais tarde ao mesmo cenário de onde se abalara, isto é, à residência de Alípio e Angelita, e ali se postando junto daquele a quem continuava considerando Senhor e amo... E confabulei comigo mesmo, contemplando esse drama singular, cuja destinação através das linhas do futuro facilmente se delineou às minhas premonições:

— Bem sei, Deus meu, que, para casos como estes somente haverá a dor da expiação e dos resgates terrenos, para devidamente lavar do opróbrio a alma naufragada nos próprios deslizes! Todavia, ouso suplicar que a Tua Paternal misericórdia dulcifique um tanto mais as arestas da jornada reparadora que estes três infelizes irmãos meus para si mesmos traçaram, no dia em que se transviaram dos bons caminhos apontados pela tua justiça!

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