terça-feira, 23 de junho de 2015

Dramas da Obsessão - Primeira Parte - Capítulo VII

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes

A ação de Roberto para retirar os dois suicidas — pai e filha — do teatro dos acontecimentos, ou seja, do seu próprio lar, destacou-se pela suavidade da prática e espírito de piedade. 

Não ignorava ele que, em torno de uma individualidade impenitente, desencarnada ou não, voluteiam entidades viciosas e perturbadoras, mas que também se encontram influenciações amorosas de amigos da Espiritualidade, afeições ternas, de preferência uma mãe, um pai, um amigo dedicado, almas outras, prestativas e sinceras, prontas a intervirem beneficiando aquele que lhe foi caro, desde que o momento se lhes torne propício. 
Apelou, portanto, para o auxílio do Espírito já esclarecido da genitora do suicida, dela solicitando concurso valioso para a missão de fraternidade que se impusera, a par de outras entidades votadas, permanentemente, ao gênero de serviço. 
Por sua vez, Peri reunia seus milicianos árabes — pois os desencarnados também podem organizar “milícias” para os serviços do Bem, se lhes aprouver —, com eles cercando a residência em questão, como o fariam autoridades terrestres, a fim de evitarem quaisquer sortidas desagradáveis por parte dos obsessores, que poderiam querer evitar a partida das suas vítimas, dada a hipótese de poderem perceber a movimentação que se seguiria.

O móvel do suicídio de Leonel, criado, como sabemos, sob pressão de inimigos invisíveis, fora o terror a uma inevitável ordem de prisão, ao cárcere humilhante e degradante, que lhe escancarava possibilidades irreprimíveis. 
Curvando-se àquelas influências, envolvera-se ele em complexos irremediáveis, no seio da firma comercial a que emprestava os próprios labores profissionais, como “guarda-livros” e “caixa” interino que era da mesma, cargos estes da mais alta importância no Comércio e que outrora somente se confiavam a pessoas de reputação inatacável e íntima confiança da firma que as admitia. 
Mas, para que o leitor, leigo dos conhecimentos em torno das infiltrações obsessoras que podem envolver uma personalidade, possa ajuizar dos seus sintomas e a tempo procurar recursos na Ciência psíquica para debelar o terrível mal, com os corretivos fornecidos pela mesma Ciência, entendemos dever explicar algo que se passava com aquela personagem da nossa história:

As anormalidades morais e psíquicas surgiram na vida de Leonel desde a infância. 
Durante esse período, em que, geralmente, a criança é graciosa e gentil, passiva às disciplinas educativas, a dita personagem mostrava-se avessa aos próprios carinhos maternos, preferindo rebelar-se contra toda e qualquer modalidade de correção imposta pelos pais, e também pelos mestres, na Escola que frequentava, e repelindo conselhos e advertências que visavam a orientá-la para bons princípios. 
Demorara a instruir-se nas escolas onde tentava o curso primário, queixando-se de constantes depressões, e frequentemente tornando-se presa de violentas dores de cabeça, que o arrastavam a crises de desesperos impróprias de uma criança. 
Dificilmente concordava em ingerir as drogas receitadas pelo médico da família, o qual se abalava, às vezes altas horas da noite, solicitado por alguém da família, que o procurava cheio de aflição. 
Em presença deste, negava-se a deixar-se auscultar, embora sofresse. 
E, colérico e vermelho, como se uma apoplexia estivesse iminente, os olhos injetados de sangue, pela violência das dores de cabeça, que sofria, não só entrava a insultar o médico, expulsando-o de casa, como se metia debaixo das camas, dos sofás e das mesas, desfeito em choro histérico ou presa de gargalhadas suspeitas, e, tanta força empregava contra os citados móveis, debaixo dos quais se metia, que os levantava às costas e virava-os, não raro, de pernas para o ar, escandalizando os familiares e também o médico, que habitualmente aconselhava a seus pais doses de chineladas alternadas com a medicamentação por ele próprio receitada, pois que em tudo aquilo, no seu modo de entender, existia também alta percentagem de má educação e rebeldia, que estavam a requisitar severa e imediata correção. 
De outras vezes, verdadeiramente possesso pelas entidades trevosas do Invisível, quebrava os consolos e aparadores de sua mãe e as porcelanas existentes nos armários onde se guardava a louça da casa, quebrava espelhos, vidraças, e tais eram os desatinos que sobrevinham dentro do lar, daí derivados, que, desesperado, seu pai saía para a rua, às vezes a horas adiantadas da noite, receoso de esbordoá-lo e matá-lo sob a cólera por que se sentia invadir, enquanto sua mãe caía com ataques nervosos de suma gravidade, após o que, ele próprio, caía em prostração surpreendente, abatido e sonolento, para avançar pela noite a dentro, presa de pesadelos terríveis, durante os quais se sentia envolvido em chamas, no centro de uma fogueira imensa, ou encarcerado em prisões infectas, torturado por azorragues e mil outras impressões que a custo se dissipavam.

Não obstante, atingindo a puberdade, tais anomalias arrefeceram de intensidade, oferecendo esperanças de cura. 
Um hábil tratamento psíquico trar-lhe-ia, então, modificações gerais, traçando, porventura, trajetória nova em seu destino. 
Mas, infelizmente para todos, seus pais e sua família, atidos à indiferença dos assuntos espirituais, conservando-se pouco menos que materialistas, não cogitaram de coisa alguma racional a seu favor. Sua mãe, doente, afetada de ambos os pulmões, definhava lentamente. 
Mas, ainda assim, encaminhara-o à religião, confessando ao vigário da paróquia, onde residiam, as intraduzíveis diabruras do filho. 
Paciente e bom, o sacerdote tentou aconselhá-lo afetuosamente, atraindo-o para o catecismo e lecionando-lhe normas de boa conduta moral e social e de respeito a Deus. 
Mas Leonel opunha-se ao ensino, manifestando tal horror às coisas da Igreja e tanta aversão ao sacerdote que, desanimado, declarou àquela sofredora mãe que seu filho era criança incorrigível, de má índole, e que somente a lei do Criador teria bastante sabedoria para chamá-lo ao dever.
Aos quinze anos morreu-lhe o pai, após breve enfermidade, deixando-o em completa liberdade. 
Aos dezessete, as antigas crises desapareceram, mas hábitos novos sucederam aos antigos, porventura ainda mais daninhos, perigosos: toda e qualquer soma financeira que lhe caísse sob os olhos era desviada para o jogo e o trato com mulheres desonestas. 
Vários empregos, em casas comerciais, foram tantos outros vexames que pungiam o coração de sua mãe, que por várias vezes ouviu, de empregadores do filho, queixas acerbas da sua conduta e até insultos, ao ser ele despedido, em face do mau procedimento para com seus chefes.

Finalmente, com muito esforço e sob vigilância do padrinho, que lhe substituira, até certo ponto, o pai, conseguiu findar o curso de Ciências Comerciais que desde muito tentava, e tornou-se “guarda-livros”, título equivalente ao que hoje se denomina “perito-contador”.

Por esse tempo, o jogo absorvia-o e ele se endividava, causando sobressaltos a sua mãe, que temia vê-lo irremediavelmente desacreditado, às voltas com a Polícia. 
Mesmo assim, porém, apesar de encontrar-se sofrivelmente colocado e contando apenas vinte e dois anos de idade, casou-se, porquanto a família entendera tornar-se o casamento seguro corretivo para tantos desatinos. 
Não foi, entretanto, mau esposo, se considerarmos que não maltratava fisicamente a mulher, sendo até amável no trato para com ela. 
Mas também não se poderia considerá-lo bom, visto que jamais se preocupou em proporcionar conforto à família, mantendo-a sempre em acentuada pobreza, porquanto seus desacertos fora do lar absorviam parte dos recursos obtidos do trabalho cotidiano. 
Sua existência, assim, após o casamento, continuou caracterizando-se pelos desacertos, que prosseguiam num crescendo angustiador.
A despeito da paciência da esposa, do seu desvelo pelo lar, ali não havia paz, nem esperança, nem confiança no destino, porque Leonel passava noites consecutivas à mesa do jogo ou locupletando-se em ceias orgíacas com amigos suspeitos. 
Os filhos se sucediam; e, ao atingirem a segunda infância, dir-se-iam viver assustadiços, atemorizados sem saberem por que razão. 
Eram feios, nervosos, enfermiços, dentre todos destacando-se a filha primogênita, cujo nome, Alcina, dir-se-ia o próprio escárnio em face do seu aspecto visivelmente masculino, não obstante tratar-se de pessoa raquítica. 
Feia, trazendo feições anormais, inteiramente desgraciosa, exibia também um defeito físico, pois coxeava sensivelmente da perna esquerda. 
Nesse lar, altercações, choro, dificuldades financeiras, falta de crença em Deus e de qualquer religião, era o que ressaltava, de início, à observação de qualquer visitante ou amigo. À noite, sucediam-se, entre os filhos, pesadelos e crises idênticas aos que o próprio Leonel apresentara na infância, o que o levava a dizer, sem preocupações:
— Trata-se de atavismo.... Eu fui assim, durante a infância.
Após a morte de sua mãe, todavia, breve interregno sucedeu-se nos destinos de Leonel. 
Dir-se-ia que o choque, por haver perdido tão excelente amiga, chamara-o à razão. 
Surgiu em seu caminho, em seguida, oportunidade feliz de boa colocação numa fábrica de tecidos, da qual passou a ser o chefe dos escritórios, ou antes, o “guarda-livros” responsável por todo o movimento financeiro. 
Quatro anos decorreram sem anormalidades. A proteção invisível do Alto generosamente colocou ao seu alcance nova oportunidade salvadora, aproveitando o período sereno que sobreviera em torno dele: — dois companheiros de trabalho, espiritistas convictos e cultos, homens honestos, bem inspirados pelas forças invisíveis do Bem, tentaram despertá-lo para a crença em Deus e o cultivo das forças, ou dons, espirituais. 
Deram-lhe a ler livros doutrinários e científicos. Falaram-lhe da excelsitude da Doutrina que professavam, a qual a eles próprios levantara do ostracismo estéril para o plano harmonioso do dever cumprido e da consciência tranquila. 
Disseram-lhe da sua suave feição amorosa, que recomendava o jugo benévolo da compaixão pelos oprimidos e sofredores em geral. 
Mas Leonel rejeitou os amorosos convites, ridiculizou o Evangelho, que ele não estava à altura de assimilar, glosou com chistes ofensivos a Filosofia, que não pôde entender, e depreciou a Ciência, para terminar evitando o prosseguimento das relações de amizade com os dois companheiros, que ali nada mais representavam senão instrumentos da assistência piedosa do Invisível, que tentava estender-lhe mão salvadora à beira de um abismo que o seu livre arbítrio tornava iminente, mas evitável pelo bom-senso e a continência nas expansões das próprias paixões.
Vagara, porém, o cargo de tesoureiro-caixa da fábrica em apreço. 
Porque houvesse cativado a confiança dos diretores da mesma, com a habilidade profissional, de que dera sobejas provas, confiaram-lhe, interinamente, o cargo máximo da grande instituição comercial. Os primeiros meses deslizaram normalmente. 
Mas, de súbito, Leonel entra a sonhar com grandes quantias em seu poder, oriundas do jogo. Sente-se rico em pesadelos agradáveis, e rodeado de prazeres. 
Tais sonhos se distenderam em sugestões, durante a vigília, e um desejo ardente de ser rico, de viajar e conhecer a Europa, apossou-se dele, humilhando-o ante a modéstia em que via decorrer os próprios dias de existência. As sugestões dominaram seus pensamentos, e a antiga atração pelo jogo impele-o a voltar aos antros de vícios que durante algum tempo foram esquecidos. E noites se sucedem, com ele à mesa da roleta e das cartas, perdendo quantias vultosas. 
Na manhã seguinte, deixava de comparecer ao horário exato das suas funções, na fábrica, alterando o bom andamento dos serviços a seu cargo. 
Dores de cabeça violentas torturavam-no, alterando-lhe a saúde. Estado inquietante, de depressão ou excitação, sobrevém, dificultando-lhe as ações cotidianas. No decorrer de alguns meses, nada mais possuindo de seu, para jogar, porque perdia sempre, sem jamais recuperar o que ia perdendo, entrou a desviar, para o jogo, quantias confiadas à sua guarda, como “caixa” que era da importante firma. 
Por sua vez, a vida de Alcina, desde o berço, destacara-se do normal pela enfermidade. Não desfrutara, jamais, boa saúde. Irritava-se por todos os motivos. Sombria, odiosa, rodeada de complexos, reconhecendo-se desagradável a todos, retraía-se de tudo e de todos, conservando-se no interior da casa, sem jamais dignar-se a um passeio ou a uma visita, negando-se mesmo a cumprimentar os amigos da casa que porventura visitassem a família. 
Vivia apavorada, temendo as sombras, incapaz de penetrar sozinha qualquer compartimento da casa, asseverando que vultos tenebrosos lhe apareciam na escuridão, brandindo chicotes e oferecendo-lhe copázios de veneno a tomar. 
Ataques sobrevinham frequentemente, durante os quais se sentia devorada pelo fogo e chicoteada por verdugos, que gargalhavam ante seus padecimentos. Após tais crises, adoecia. E os médicos chamados a assisti-la diagnosticavam as mais disparatadas enfermidades, tais como histeria, anemia profunda, alucinação por debilidade do sistema nervoso e até verminose e infecção hepática e renal, quando em verdade o mal era psíquico e repousava numa tremenda obsessão, incurável pelos processos psíquicos, mas que poderia ser grandemente atenuada pelos mesmos processos e que, acima de tudo, lhe evitariam o suicídio.
Os dias, pois, assim se sucediam, sem alterações para Leonel e sua filha. Este tornou-se neurastênico, irritadiço. 
Não falava a amigos, não mais cumprimentava os próprios companheiros de trabalho. E a todos os instantes, com a mente assoberbada de preocupações, segredava-lhe a intuição das trevas, na sugestão de perseguidores implacáveis:
— Retira, retira outras importâncias... Hás de recuperar tudo... A sorte hoje será tua... Recuperarás tudo e reporás na “caixa” o que foi “tomado de empréstimo”... Cada um tem o seu dia.... Hoje é o teu grande dia, para obteres fortuna e recompensas felizes ao muito que tens sofrido...
No entanto, perdia, ainda e sempre, porque o perseguidor o acompanhava à mesa das cartas para não deixá-lo ganhar, o que o obrigava a excepcionais habilidades profissionais, para encobrir a própria falta aos diretores da firma, através da escrita que, como principal “guarda-livros”, fazia. 
E longas horas de meditações e mutabilidade expressiva sobrevinham, para inquietação de toda a família. Até que, finalmente, chegou o dia em que tudo se esclareceu, tal como desejara o obsessor, não vendo Leonel outro alvitre para a desgraçada situação a não ser a prisão ou o suicídio. 
As importâncias de que lentamente se apossara montavam em cerca de duzentos contos de réis (valor da época), soma que, então, representava apreciável fortuna, impossível a um funcionário das suas condições obter para saldar uma dívida. 
O infeliz livre-pensador, então, desamparado de quaisquer forças de reação, porquanto nem mesmo uma fé religiosa jamais concordara em cultivar, preferiu o suicídio, assim se curvando, ato por ato, atitude por atitude, às sugestões do inimigo invisível que, realmente, só desejava desgraçá-lo. Silenciaremos, porém, sobre os detalhes dolorosos desse imenso drama, rico em testemunhos da atuação obsessora sobre um médium passivo que se ignorava, a fim de a este não identificar, faltando com a devida caridade ante suas imensas desgraças.
No entanto, uma vez tombado para sempre o próprio corpo carnal, o que Leonel encontrara como Espírito fora o prosseguimento da própria vida que tentara destruir para evitar a desonra, assim os mesmos dissabores, angústias e preocupações, agravados por uma hipersensibilidade torturante, como pelas penosas impressões físico-materiais oriundas da violência do choque traumático derivado da morte prematura.
Ora, compreendendo que, à frente de tão deplorável estado, nenhum outro concurso seria tão eficiente para socorrer o atribulado suicida como o daquela que fora a sua genitora, o meu assistente dela se valeu para a retirada do mesmo do local sinistrado, certo de que o infeliz infrator a ela se confiaria de boamente, sem levantar suspeita de cumplicidade com a Polícia, como suporia de qualquer outra individualidade que se apresentasse no intuito de ajudá-lo a se afastar dali. Efetivamente, a ele se chegou, desenvolta e diligente, aquela que, na Terra, o embalara no seio como mãe devotada, e, com autoridade, exclamou, como a não permitir réplica:

— Acompanha-me, Leonel! Basta de desatinos! Venho buscar-te! Vais seguir comigo! Estás enfermo e precisas tratar-te! Trago-te um médico... Ei-lo! Confia nele... Nada desagradável sucederá... Vamos!

Confiante e submisso e como aturdido por um estranho pesadelo que principiava a se desvanecer, o suicida estancou o pranto, qual menino que se cala ouvindo o balbucio materno dentro das inquietações da noite. Assim apresentado, Roberto amparou-o bondosamente, compreendendo-o vacilante e atordoado, enquanto Alcina, ainda amodorrada, como em estado de coma, igualmente se sentiu transportada, como presa de pesadelo indecifrável...

E lá se foram todos, abandonando o cenário apavorante de um drama dos mais patéticos que os incidentes terrenos costumam apresentar à contemplação dos trabalhadores espirituais.

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