quinta-feira, 25 de junho de 2015

Dramas da Obsessão - Segunda Parte - Capítulo VI

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes



O encantamento sugerido pela prece do velho Rei, se tivera a virtude de encorajá-los para as peripécias do futuro, que agora mais do que nunca se pressagiava trevoso, não pudera, no entanto, extrair dos seus corações a profunda conturbação da desolação, prenúncio infalível de momentos decisivos que rondam os homens nas provações terrenas, espécie de pressentimentos ou avisos do que realmente advirá. Perplexos ante os acontecimentos, os três homens não ousavam elevar a voz para qualquer comentário, enquanto Rubem, o mais jovem dentre os filhos, detinha os próprios soluços, aterrorizado, aconchegado ao seio da prima. 

O velho Aboab, justiceiro, reconhecia que a impetuosidade do filho, seu desrespeito exigindo esclarecimentos imediatos, os quais somente a seu pai competiria solicitar, dera causa ao incidente, quando não apenas a boa educação, mas também os deveres de hospitalidade, a respeitabilidade dos visitantes, a vantajosa posição social destes aconselhariam a máxima prudência e toda a vigilância para que jamais as boas relações fossem alteradas entre eles próprios e os ditos religiosos. Ao demais, Joel era um adolescente, contava apenas vinte primaveras, não lhe competindo, portanto, dirigir-se com impertinência a um hóspede cuja idade roçaria pela do seu próprio pai. Entretanto, não se permitia admoestar o primogênito. Compreendia-o acabrunhado, o coração inquietado por emoções penosas e não quisera agravar os seus sofrimentos inutilmente. O moço judeu, porém, em dado momento, como num murmúrio revelador das pungentes ilações que em seu íntimo se multiplicavam, desfez o silêncio:

— Perdoai-me pelo desgosto que vos acabo de causar, meu Senhor e pai! — Disse. — Reconheço-me culpado! Será justo, portanto, que advenham para mim as consequências do erro praticado... Arrependo-me das atitudes tomadas... Deveria sofrear impulsos, comedir revoltas, padecer resignado, porque, afinal, não deixamos de dever favores a estes homens! Espero, no entanto, que venham represálias contra mim somente... E, em verdade, se é necessário uma vítima para aplacar as iras dos nossos eternos algozes, que seja eu e não um de vós. Eu não suportaria assistir aos vossos tormentos...

Aboab, que conservava a cabeça apoiada nas mãos, ergueu para os filhos os olhos marejados de pranto, advertindo, cheio de razão:

— O desastre viria mais cedo ou mais tarde, meu pobre Joel! Se não fora provocado por ti o incidente, sê-lo-ia, inadvertidamente, por um de nós ou por outra qualquer circunstância... Jamais Hildebrando conseguiu iludir-me! De nós todos, o que ele apenas deseja é a posse de Ester e de nossa fortuna! Matar-nos-á no dia em que puder obtê-las! ...

Deteve-se um instante e continuou, enquanto o jovem pintor media a sala em passadas regulares, que os tapetes amorteciam:

— Estive a pensar em que seria preferível humilharmo-nos ainda uma vez, penitenciando-nos publicamente, por havermos ofendido Frei Hildebrando, pagarmos uma indenização e rogarmos seu perdão... (18)

Os dois jovens protestaram, porém, coléricos, pela primeira vez contrariando uma decisão paterna:

— Nunca, meu pai! Jamais deveremos submeter-nos a tão penosa humilhação!

Preferimos a morte, antes do que nos penitenciarmos, rastejando de opróbrio pelo favor de um miserável, como Hildebrando de Azambuja, que nos amesquinhará até à degradação! ...

Mas Timóteo levantou-se, exteriormente sereno como os sofrimentos o ensinaram a conservar-se, e. pousando a destra no ombro do primogênito, replicou:

— Assim julgas, meu pobre Joel, porque ignoras ainda, mercê do Altíssimo, o que seja um calabouço do “Santo Oficio”! A morte, meu filho, a morte, simplesmente, para todos nós aqui reunidos, seria bênção inestimável, que nos valeria por uma glorificação! 

Mas, infelizmente para nós, Hildebrando é inquisidor, o que quer dizer — é cruel e implacável! Sabe torturar, afligir, castigar com minudências odiosas, inconcebíveis! Preferível seria, oh, sim! Uma penitência pública, à qual a sociedade de Lisboa assistiria talvez com indiferença, habituada que está a cenas tais de degradação — a um suplício lento na fogueira ou no cavalete, aos tratos infames e desumanos, nas salas de torturas! ...

Mas novamente os dois jovens, inexperientes e ardorosos, bradaram à uma só voz:

— Não! Jamais! Cem vezes a tortura e a morte! ...

Ester baixou a fronte, humildemente, sem emitir opinião, enquanto o coração se lhe confrangia na expectativa de atribulações imprevisíveis.

(18) Muitas vezes os judeus denominados cristãos novos. Eram obrigados a penitências públicas humilhantes, grotescamente vestidos e empunhando tochas.


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