quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Brasil Coração do Mundo Pátria do Evangelho - No Tempo dos Vice-Reis

Pelo Espirito de Humberto de Campos
Psicografia Francisco Cândido Xavier

No Tempo dos Vice-Reis


A ação espiritual das falanges de Ismael, reunidas ao esforço dos elevados Espíritos que reconstruíam as energias portuguesas, intensifica-se cada vez mais no coração das duas pátrias irmãs. 

Pelo tratado de Methuen, assinado em 1703, a Inglaterra, cujo poderio marítimo se consolidava depois dos grandes feitos das armadas de Portugal, da Espanha e da Holanda, passaria a amontoar o ouro do Brasil, como principal fornecedora do primeiro e de suas colônias. No capítulo financeiro, o Brasil era, de fato, uma das suas fontes de riqueza, pois que todas as suas reservas se escoavam para o tesouro inglês. Uma sábia disposição do mundo invisível regulamentara a questão dessa forma, adotando essas providências para que a Pátria do Evangelho fosse colocada a cavaleiro de novos choques de ambição, nos seus territórios. A combinação de Methuen era ruinosa para a indústria portuguesa; mas, nos grandes jogos dos interesses internacionais, semelhantes acordos se faziam necessários. A Inglaterra ficaria com o ouro tangível, enquanto Portugal guardaria o ouro imperecível dos corações, dilatando a sua fé e as suas fronteiras, eternizando o patrimônio das suas tradições e das suas esperanças, no tempo e no espaço. 

Nessa época, o Rio de Janeiro já eclipsava todas as cidades do Brasil. Aí, ao lado das águas claras e puras do rio da Carioca, onde os Tamoios encontravam sagradas virtudes para a beleza de suas mulheres e para a voz dos seus cantores, já se erguia o casario imenso, a descer do cume dos morros para o lençol arenoso das praias. 

Aí, sob o céu azul que cobre a paisagem tranquila, os governadores podem fazer, com serenidade imperturbável, seus longos expedientes para a metrópole e os padres podem rezar beatificamente, nos seus breviários, entre as paredes coloniais do Convento de Santo Antônio. 

A sociedade tratava de aprender as regras de bem viver, de civilidade, nos livros encomendados especialmente do reino. 

Ao entardecer, não se cuidava de outra coisa que não fosse a iluminação dos oratórios das esquinas, únicos pontos onde, às vezes, se concentravam alguns transeuntes retardatários, que afrontavam sem receio os capoeiras ocultos no silêncio das ruas ermas. De qualquer modo, porém, às oito horas da noite não se encontrava mais ninguém pelas vielas escuras, com exceção dos dias de grande gala, em que o governador comparecia pessoalmente às festas populares, tendo todos o cuidado de ir a esses folguedos de rua com os elementos precisos para a iluminação do caminho, no regresso a casa. 

O Rio de então, como as demais cidades não só do Brasil, mas também de Portugal, não primava pela higiene e pela limpeza. Os igarapés que conheci, ainda em princípios deste século, em algumas pequenas cidades do Norte brasileiro, onde se viam, em pleno dia, homens e crianças acertando contas com a natureza, se localizavam então nos recantos mais afastados das ruas, em grandes valas dentro das quais os pobres escravos depositavam, todas as tardes, o conteúdo malcheiroso dos largos potes de barro, carregados à cabeça. 

Alguns forasteiros ilustres, que nos visitaram naquela época, arquivaram tristes impressões do Brasil dos vice-reis, cheio dos mais espantosos quadros de imundície. Todavia, um dos espetáculos mais dolorosos e comovedores ofereciam-no os mercados de escravos, como o do Valongo, onde os miseráveis se amontoavam aos magotes, esperando o comprador que lhes examinava os pulsos e os dentes, selecionando os mais fortes para os duros trabalhos das fazendas. Ali, encontravam-se representantes dos negros de Guiné, de Cabinda e de Benguela, que eram separados dos pais e das mães, dos irmãos e dos filhos, nos sucessivos martirológios da raça negra, na qual os próprios padres de Portugal não viam irmãos em humanidade, mas os amaldiçoados descendentes de Cam. Até há pouco tempo, podia-se ver na Luanda a cadeira de pedra do bispo, de onde um prelado português abençoava os navios negreiros, prontos para se fazerem ao mar largo, com a pesada carga de desgraçados cativos. A bênção religiosa visava conservá-los vivos até aos portos do destino, a fim de que os mais fartos lucros compensassem o trabalho dos hediondos mercadores. Estes últimos, no entanto, além da bênção, adotavam outras precauções, amontoando os desditosos africanos nos porões infectos, onde viajavam como animais ferozes, trancafiados na prisão, para que não vissem, pela última vez, os horizontes do berço ingrato em que haviam nascido, vacinando-se contra as dores supremas da desesperação, que os arrastaria para os abismos do oceano. 

Ismael, com as suas hostes do mundo invisível, consegue harmonizar lentamente os interesses espirituais de quantos se haviam estabelecido na Pátria do Cruzeiro. Sob a sua inspiração, a igreja torna-se a protetora necessária da mentalidade infantil daquela época. Os templos da colônia abrem as portas para todos os infelizes e para todos os tristes. Os reineis organizam festanças periódicas, missas e procissões da fé, bem como folganças profanas, quais as da “Serração da Velha”. 

Sob as vistas condescendentes da igreja, os mensageiros do espaço se fazem sentir mais fortemente junto dos senhores, amenizando a situação amargurada dos míseros cativos. Sob as suas influências indiretas, organizam-se correntes de filantropia, do mais elevado alcance. Costumes fraternos surgem espontaneamente no seio da população de todas as cidades brasileiras. O hábito de apadrinhar os negros faltosos, ou fugitivos, nunca é desrespeitado pelo senhor. Reconhece-se o direito de propriedade aos escravos, e o costume de ceder um dia ou dois aos trabalhos dos cativos é confirmado por lei, em 1700. Alastra-se o precioso movimento das alforrias na pia batismal, onde, com um óbolo insignificante, são declarados livres os filhos dos escravos. As associações dos negros nas grandes cidades do país, para realização das suas festas de saudade das paisagens africanas, são numerosas, com permissão de todas as autoridades. Os festejos originais do Rei do Congo se levam a efeito com brilho, a expensas dos senhores. 

A igreja, no Brasil, abre o seu culto a São Benedito e a Nossa Senhora do Rosário, tornando-se um refúgio de doce consolação para os pobres africanos. As ordens religiosas possuíam os seus pretos, que eram bem tratados e jamais poderiam ser vendidos. 

Nas fazendas, agrupavam-se eles em famílias, que, as mais das vezes, eram plenamente alforriadas em testamento dos proprietários. Todos os hábitos em voga, na época, dão testemunho da liberdade brasileira, porquanto, em nosso país, nunca a emancipação foi impedida por lei, como em outras nações. 

A filantropia dos brasileiros cedo começou o movimento abolicionista, e a prova da profunda assistência espiritual que acompanhava essas ações na Pátria do Evangelho é que nunca teve o Brasil um código negro, à maneira da França e da Inglaterra. 

E a verdade espiritual, que paira acima das considerações de todos os historiadores, é que Ismael preparou aqui a oficina da fraternidade, onde os negros incompreendidos vinham erguer a pátria da sua descendência. 

Se sofreram nas mãos de alguns escravocratas impiedosos, seus prantos e sacrifícios iam florescer ao tênue rocio das bênçãos do céu, na terra do Evangelho, clarificando-lhes, mais tarde, os caminhos, quando seus corações resignados e sofredores se dilatassem, na alma fraterna dos filhos e dos netos.

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