domingo, 8 de maio de 2016

Brasil Coração do Mundo Pátria do Evangelho - Os Escravos

Pelo Espirito de Humberto de Campos
Psicografia Francisco Cândido Xavier


Os Escravos

Certo dia, preparava-se, numa das esferas superiores do infinito, o encontro de Ismael com Aquele que será sempre caminho, verdade e vida. Por toda parte, abriam-se flores evanescentes, oriundas de um solo de radiosas neblinas. Luzes policrômicas enfeitavam todas as paisagens celestes, que se perdiam na incomensurável extensão dos espaços felizes.

Rodeado dos seres santificados e venturosos que constituem a corte luminosa de seus mensageiros abnegados, recebeu o Senhor, com a sua complacência, o emissário dileto do seu amor nas terras do Cruzeiro. 

Ismael, porém, não trazia no coração o sinal da alegria. Seus traços fisionômicos deixavam mesmo transparecer angelical amargura.

— Senhor — exclama ele —, sinto dificuldades para fazer prevaleçam os vossos desígnios nos territórios onde pairam as vossas bênçãos dulcificantes. A civilização, que ali se inicia sob os imperativos da vossa vontade compassiva e misericordiosa, acaba de ser contaminada por lamentáveis acontecimentos. 

Os donatários dos imensos latifúndios de Santa Cruz fizeram-se à vela, escravizando os negros indefesos da Luanda, da Guiné e de Angola.

Infelizmente, os pobres cativos, miseráveis e desditosos, chegam à pátria do vosso Evangelho como se fossem animais bravios e selvagens, sem coração e sem consciência.

O mensageiro, porém, não conseguiu continuar. Soluços divinos lhe rebentaram do peito opresso, evocando tão amargas lembranças...

O Divino Mestre, porém, cingindo-o ao seu coração augusto e magnânimo, explicou brandamente: 

— Ismael, asserena teu mundo íntimo no cumprimento dos sagrados deveres que te foram confiados. Bem sabes que os homens têm a sua responsabilidade pessoal nos feitos que realizam em suas existências isoladas e coletivas. Mas, se não podemos tolher-lhes aí a liberdade, também não podemos esquecer que existe o instituto imortal da justiça divina, onde cada qual receberá de conformidade com os seus atos. 

Havia eu determinado que a Terra do Cruzeiro se povoasse de raças humildes do planeta, buscando-se a colaboração dos povos sofredores das regiões africanas; todavia, para que essa cooperação fosse efetivada sem o atrito das armas, aproximei Portugal daquelas raças sofredoras, sem violências de qualquer natureza. A colaboração africana deveria, pois, verificar-se sem abalos perniciosos, no capítulo das minhas amorosas determinações. 

O homem branco da Europa, entretanto, está prejudicado por uma educação espiritual condenável e deficiente. Desejando entregar-se ao prazer fictício dos sentidos, procura eximir-se aos trabalhos pesados da agricultura, alegando o pretexto dos climas considerados impiedosos. Eles terão a liberdade de humilhar os seus irmãos, em face da grande lei do arbítrio independente, embora limitado, instituído por Deus para reger a vida de todas as criaturas, dentro dos sagrados imperativos da responsabilidade individual; mas, os que praticarem o nefando comércio sofrerão, igualmente, o mesmo martírio, nos dias do futuro, quando forem também vendidos e flagelados em identidade de circunstâncias. Na sua sede nociva de gozo, os homens brancos ainda não perceberam que a evolução se processa pela prática do bem e que todo o determinismo de Nosso Pai deve assinalar-se pelo “amai o próximo como a vós mesmos”. 

Ignoram voluntariamente que o mal gera outros males com um largo cortejo de sofrimentos. Contudo, através dessas linhas tortuosas, impostas pela vontade livre das criaturas humanas, operarei com a minha misericórdia. Colocarei a minha luz sobre essas sombras, amenizando tão dolorosas crueldades.

Prossegue com as tuas renúncias em favor do Evangelho e confia na vitória da Providência Divina.

Calara-se a voz de Jesus por instantes; mais confortado, Ismael continuou:

— Senhor, não teríeis um meio direto de orientar a política dominante, no sentido de se purificar o ambiente moral da Terra de Santa Cruz?

Ao que o Divino Mestre ponderou sabiamente:

— Não nos compete cercear os atos e intenções dos nossos semelhantes e sim cuidar intensamente de nós mesmos, considerando que cada um será justiçado na pauta de suas próprias obras. Infelizmente, Portugal, que representa um agrupamento de Espíritos trabalhadores e dedicados, remanescente dos antigos fenícios, não soube receber as facilidades que a misericórdia do Supremo Senhor do Universo lhe outorgou nestes últimos anos.

Até aos meus ouvidos têm chegado as súplicas dolorosas das raças flageladas por sua prepotência e desmesuradas ambições. Na velha Península já não existe o povo mais pobre e mais laborioso da Europa. O luxo das conquistas lhe amoleceu as fibras criadoras e todas as suas preciosas energias e qualidades de trabalho vêm esmorecendo sob o amontoado de riquezas fabulosas. 

Entretanto, o tempo é o grande mestre de todos os homens e de todos os povos, e, se não nos é possível cercear o arbítrio livre das almas, poderemos mudar o curso dos acontecimentos, a fim de que o povo lusitano aprenda, na dor e na miséria, as lições sagradas da experiência e da vida.

Ismael retornou à luta, cheio de fervorosa coragem e os acontecimentos foram modificados. Os donatários cruéis sofreram os mais tristes reveses no solo do Brasil. Os Tupinambás e os Tupiniquins, que se localizavam na Bahia e haviam recebido Cabral com as melhores expressões de fraternidade, reagiram contra os colonizadores, transformados, para eles, em desalmados verdugos. Lutas cruentas desencadearam contra os brancos, que lhes depravavam os costumes.

A luxuosa expedição de João de Barros, que se destinava ao Maranhão, mas que saíra de Lisboa com instruções secretas para conquistar o ouro dos incas, no Peru, dispersou-se no mar, sofrendo os seus componentes infinitos martírios e resgatando com elevados tributos de sofrimento as suas criminosas intenções, na condenável aventura.

Os tesouros das índias levaram o povo português à decadência e à miséria, pela disseminação dos artifícios do luxo e pelas campanhas abomináveis da conquista, cheias de crueldade e de sangue. A sede de ouro acarretava o abandono de todos os campos.

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