quarta-feira, 29 de julho de 2015

Dramas da Obsessão - A Severidade da Lei - Capítulo IV

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes


Pelas oito horas da manhã cessara o melindroso trabalho. Higienizara-se o quanto possível a enferma, que jazia prostrada ainda, em profundo desmaio, estirada em seu leito qual cadáver que deveria baixar à sepultura. Compreendi propício à sua recuperação fisiológica aquele prolongado delíquio, e não me afligi por seu estado nem procurei despertá-la. Aquele pobre espírito de recém-casada necessitaria, realmente, do reconforto moral-espiritual, pois que se tornava evidente que ingressava numa fase de testemunhos e expiações, e eu vira que as angelicais crianças do varão espiritual Antônio haviam-no arrebatado para o Espaço, certamente a fim de aconselhá-lo e infundir-lhe coragem e esperanças durante o torpor físico. 
Preferi, então, examinar as condições morais das criaturas que cercavam a minha pobre doente... e constatei que, no interior da casa, onde um como sudário de opressões pesava, Alípio, o jovem esposo, continuava sentado em sua cadeira de balanço, insone, os olhos vermelhos de chorar, o coração estorcido por um desalento esmagador. 
A seu lado, um grande cinzeiro, transbordante de pontas de cigarro inaproveitadas, atestava as horas de excitação que trituraram o seu sistema nervoso, completamente alterado no momento em que dele me aproximei, ao passo que em outras dependências a genitora de Angelita blasfemava por entre lágrimas e inconformações, acusando a Providência, em quem não cria, pelo insucesso da filha, enquanto maldizia do cirurgião, que a houvera maltratado tanto, e as irmãs da enferma e algumas vizinhas, prestativas, apavoradas e estarrecidas ante os acontecimentos, não atinavam com o que dizer, quedando-se todas em respeitoso silêncio.

Entrementes, na câmara de Angelita reinava consoladora paz espiritual. Vibrações harmoniosas dulcificavam o ambiente num como sussurrar enternecido de prece. Mas ninguém orava. Pelo menos julgava não orar a personalidade que de si despendia tão sedutoras irradiações... Sim, porque nem sempre uma prece é real somente quando se dirijam exortações a Deus ou a seus mensageiros, no intuito da oração. 
Uma leitura edificante, que retempere ou enobreça a mente, pensamentos altruísticos e beneficentes em favor do próximo ou de si mesmo poderão repercutir nos fluidos cósmicos, encaminhando-Se para os altos círculos do Bem, e daí carrear para o coração que assim procede, como para aqueles que lhe ficam ao pé, consideráveis estímulos para o melhor, tal como o faria a prece propriamente dita.
Sim! No aposento de Angelita ninguém orava! 
Era tão somente Sara, a jovem viúva, que, à cabeceira da amiga inanimada, abria diante de si um pequeno livro e percorria, atenta, as suas páginas, em leitura suave e restauradora. Curioso, procurei inteirar-me do conteúdo daquelas páginas que tão docemente protegia o quarto da doente. Tratava-se da “Imitação de Cristo”, livro então muito acatado pelos adeptos cultos da religião católica romana e em cujas lições sorviam, efetivamente, doces mananciais de consolação e esperanças, nas horas doridas do infortúnio, os corações sedentos de justiça, levados pela vontade de se predisporem ao Bem:

— “Com duas asas se levanta o homem acima das coisas terrenas: a simplicidade e a pureza. A simplicidade procura a Deus, a pureza o abraça e frui.”

— “A glória do homem virtuoso é o testemunho da boa consciência. Conserva pura a consciência, e sempre terás alegria. A boa consciência pode suportar muita coisa e permanecer alegre, até nas adversidades. A má consciência anda sempre medrosa e inquieta. Suave sossego gozarás, se de nada te acusa o coração.”

— “Chega-te a Jesus na vida e na morte, entrega-te à sua fidelidade, que só Ele te pode socorrer, quando todos te faltam...“

— “Para que buscas repouso, se nasceste para o trabalho? Dispõe-te mais à paciência que à consolação, mais para levar a cruz que para ter alegria...” (30)

Contemplei a enferma, que parecia ter expirado. Um anseio de compaixão fremiu em minhas sensibilidades anímicas, avaliando o calvário que aquela jovem mãe, cercada de corações descrentes, palmilharia pelas estradas dos grandes resgates terrenos, vendo-a, como vi, assinalada por um futuro obumbroso! 
Era esbelta e formosa, com a pele acetinada e alva como as pétalas de uma rosa branca, longos cabelos louros dourados, estendidos sobre as almofadas como sudário de ouro fúlgido, olhos castanhos recordando a cor da avelã madura, contando apenas dezenove anos de idade! Orei então, à beira daquele leito envolvido ainda nos linhos e nas fitas do enxoval do noivado, e me retirei depois, certo de que o Senhor das coisas e dos mundos proveria, com a sua paternal misericórdia, o prosseguimento da existência daquela que, então, se me afigurou à frente de graves consequências de um passado de infrações...

(30) “Imitação de Cristo”.

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