quarta-feira, 24 de junho de 2015

Dramas da Obsessão - Primeira Parte - Capítulo IX

Yvonne do Amaral Pereira
Ditado pelo Espirito de Adolfo Bezerra de Menezes


Seguindo ordens recebidas, o operoso e paciente Roberto transportou o velho Rabino para a localidade onde existia o núcleo espírita sob cuja responsabilidade o trabalho de esclarecimentos se faria. Para o obsessor judaico a caminhada fora normal, afigurando-se que marchava a pé, pelas ruas de Lisboa, as mesmas que, quatro séculos antes, perlustrava diariamente, e cujas imagens e panoramas se haviam decalcado em suas forças mentais, tornando reais, para si mesmo, as figurações que não mais existiam senão nas repercussões vibratórias das suas recordações concretizadas. De outro modo, o antigo israelita não procurava inteirar-se da época social em que se encontravam os homens, continuando, assim, a existência absorvido pelas próprias preocupações da etapa que vivera na Terra, ou se a localidade onde agora viviam os seus antigos desafetos seria ou não seria Lisboa. O que nele se acentuava, pois, era o retardamento do progresso pessoal, a personalidade amodorrada pelo ódio sombrio e tradicional, a mente e a vontade escravizadas a uma ideia inferior, incapacitando-o, portanto, para as funções da evolução normal. Os quatro séculos decorridos do dia em que se vira aprisionado pelas autoridades do chamado “Santo Ofício”, de Lisboa, com toda a sua família, até os dias atuais, afiguravam-se lhe período normal de alguns anos.

Ele perdera, aliás, a noção do tempo, como alguém que, vendo-se atirado a um calabouço durante longo período, sofre a impressão atordoante da longevidade em que se perdeu mentalmente, não podendo distinguir, portanto, as datas, não mais podendo contá-las, sequer se apercebendo, do fundo do seu abismo de impossibilidades, se para além das muralhas que o detêm é dia ou permanecem trevas eternas, idênticas às do cárcere em que se amesquinha. Em verdade, nem esse pobre sofredor e tampouco os filhos queriam distinguir em derredor senão as personalidades pelas quais se interessavam ou o que com elas se relacionasse. Os demais acontecimentos e personagens, localidades, progresso material terreno, etc., passariam despercebidos às suas percepções ou a eles não prestavam verdadeira atenção, como se os sentimentos inferiores, fornecedores das pesadas irradiações que os envolviam, tecessem estranho nevoeiro em torno das suas expansões inteligentes, anulando-as para qualquer pendor que não a sua ideia fixa de ódio e vingança. Assim sendo, não perceberam que se transferiram de Portugal para o Brasil, atraídos pelas correntes afins existentes entre eles próprios e aqueles a que odiavam, como não perceberam que do Sul do Brasil eram transportados para um recanto do Estado de Minas Gerais, em alguns minutos, tempo assaz longo para um Espírito em condições de progresso normal locomover-se, mas muito rápido, em verdade, para uma entidade inferiorizada transportar-se, tão rápido que, tal sucede com o movimento da Terra e os homens, seus habitantes, ele nada distinguiu, supondo-se antes a caminho de local desconhecido, em Lisboa, ao lado de um mensageiro da sua Ester. O certo era que o meu caro assistente, valendo-se das possibilidades das forças naturais do mundo espiritual, transportara o obsessor através do Espaço, valendo-se da volitação... e fê-lo entrar no “Posto Mediúnico” de onde partira a ordem para detê-lo de qualquer forma.

Gentilmente recebido por dedicados trabalhadores espirituais do Centro em apreço, convenceu-se de que se encontrava num gabinete reservado de alguma sinagoga israelita, pois não esqueçamos de que Roberto lhe sugerira que o levaria a conhecer certo Mestre judeu famoso; e sentiu-se esperançado, dilatando-se lhe o peito num hausto de reconfortante expectativa. Acomodou-se em confortável poltrona, que lhe indicaram, e, pensando em Ester, murmurou:

— Disseram-me encontrar-se ela sob tutela de um grande e generoso “Rabboni”, um dos nossos... Louvados sejam os Profetas de Israel, que a salvaram do bando de corvos dos subterrâneos do “Santo Ofício”... Querida e pobre filha! 

Vou, finalmente, ver-te! Louvados sejam os Profetas...

Pendeu a cabeça e adormeceu sob nossa injunção. Sobre a Terra, eram duas horas da madrugada...

* * *

Entretanto, na residência de Leonel, os três jovens obsessores viram que um pelotão de guerreiros árabes invadia a casa, enquanto exteriormente guardas armados se postavam, rodeando-a, assim impossibilitando quaisquer tentativas de fuga, amedrontando-os e predispondo-os a atenderem os convites para irem ao encalço do pai. 
Apavorados ante a perspectiva de perseguições renovadas, pois conservavam ainda, como atualidade impressionante, a lembrança das atrocidades sofridas sob o despotismo da Inquisição, corriam eles a se ocultarem, imprecando por socorro e misericórdia, bradando pelo pai, que já não viam, repetindo, ato por ato, as cenas de terror do dia em que foram presos pela milícia do “Santo Ofício”, cenas que o ódio e a revolta, o terror e o desespero haviam gravado de forma indelével nas suas superexcitadas mentes. 
Para eles, aqueles guerreiros armados eram os assalariados da Igreja, que teriam criado um capricho novo a fim de arrastá-los ainda uma vez à prisão e à consequente tortura, já tantas vezes experimentada. Que importava a indumentária conhecida dos soldados árabes, que ali distinguiam? ... Por aqueles remotos tempos, não raramente acontecia que judeus, convertidos à fé católica, ou que afetavam a conversão para fugirem às perseguições, e visando a quaisquer vantagens pessoais que lhes permitissem viver em paz, aliavam-se às autoridades inquisitoriais ou às civis para a perseguição aos próprios irmãos de ideal religioso, do que resultavam as mais revoltantes calamidades individuais, pois, confiantes na ação dos correligionários de crença, caíam os perseguidos em ciladas irremediáveis, sucumbindo pela traição, muitas vezes ignorando mesmo que eram traídos! E assim se encontravam, portanto, presas de pânico indescritível os três jovens obsessores, quando viram Roberto entrar sereno e confiante, procurando-os a fim de lhes falar. Reconhecendo-o, correram ao seu encontro, e, num brado uníssono, interrogaram:

— E o senhor nosso pai? ... Que é feito dele? ... E Ester? ... Onde se encontram ambos? ... Que lhes sucedeu? ... Receamos que...

Mas Roberto, cortando o ensejo para maiores excitações, apresentou-lhes um bilhete lacônico. Arrebatou-lho das mãos o mais velho dos três, belo jovem de vinte anos de idade, que teria sido quando encarnado, reconhecendo, emocionado, a caligrafia da antiga prometida que lhe fora tão querida. E leu, com sofreguidão e nervosismo:

— “Confiai neste portador, que é leal amigo... Conduzir-vos-á a local seguro, onde ficareis ao abrigo de quaisquer surpresas desagradáveis... Será tempo já de descansardes, todos vós, e procurar viver em paz... Estarei convosco dentro em pouco...

Confiaram, realmente, à indicação da alma querida que tão bem os estimava, aquela Ester que os desejava contemplar na senda sublime da verdade e do amor. Confiaram e seguiram, acompanhando o meu dedicado assistente, aflitos por se distanciarem do local que supunham invadido pelos sequazes da Inquisição.

E assim foi que, ao cabo de algum tempo de marcha, viram que se descerrou, permitindo-lhes passagem, um frágil portão de ferro fundido, gradeado, tão comum no século XX, o qual lhes apareceu gracioso, habituadas que se achavam suas mentes à ideia dos pesados portões de carvalho chapeados de ferro ou de bronze, do século XVI. O mais novo dentre os três irmãos, Espírito que havia quatro séculos conservava a forma perispiritual de um jovem de treze anos de idade, pôs reparo no detalhe e, rindo-se, exclamou, indiscreto: (10)

— A julgar-se pela singeleza destes batentes, a segurança junto ao grande “Rabboni” não será poderosa...

Os irmãos repreenderam-no, envergonhados, enquanto Roberto retrucava, pois não convinha deixá-los tomar quaisquer ascendências:

— Os vossos portões de Lisboa eram tão sólidos e pesados que um só homem lhes não moveria uma das asas! Não obstante, apenas cinco beleguins do “Santo Ofício” bastaram para depredá-los e saquear-vos a residência! Estes são frágeis, com efeito. Mas eu desafio a todas as milícias da Terra e do Invisível inferior a transpô-los para vos arrebatarem do pequeno solar que aqui vedes...

Oh! Como te inteiraste do que se passou à nossa prisão? ... — adveio o mais velho. — Ester entrou em confidências, porventura? ...

Não, meu amigo! Vós outros mesmos revelastes tudo, com as recordações externadas pelos vossos pensamentos, ao transpordes estes umbrais...

Nenhum deles entendeu, mas prosseguiram todos. Tratava-se da entrada principal do Centro de trabalhos espíritas a que me venho referindo, em cuja ambiência um grande drama do Invisível marcaria o primeiro passo para o seu redentor epilogo.

Penetraram o recinto, respeitosos e tímidos. Afigurou-se lhes, como acontecera ao pai, haverem ingressado numa sinagoga provinciana, visto que se conservavam judeus, trazendo as mentes carregadas de conceitos e injunções comuns ao estado habitual. Distinguiram o pai comodamente reclinado numa poltrona, dormindo serenamente. Um raio de luar, melancólico e benfazejo, entrava pelas vidraças, aclarando, qual bênção celeste, a penumbra do salão mergulhado em silêncio. Dir-se-ia a luz indecisa de uma lâmpada de Santuário, comum nas antigas sinagogas. Poltronas convidativas chamavam ao repouso. Eles procuraram acomodação ao lado do pai, sonolentos e fatigados. Meio atordoado, o mais velho levantou para o meu Roberto os olhos grandes e torturados e interrogou humildemente, fiel a uma dor de saudade que se alongava já por quatro séculos:

— E minha Ester? ... Quando a verei, amigo andaluz? ... Eles levaram-na... E ela nunca mais voltou...

Compadecido, o meu assistente respondeu, acariciando-lhe fraternalmente os ombros:

— É alta noite... Agora não lograremos vê-la... Mas amanhã tê-la-ás contigo, fica certo... — pois era necessário que os tratássemos como se ainda fossem criaturas humanas.

Aproximei-me, só então, o coração invadido por intraduzível piedade, e apressei-lhes o sono perispiritual, de que tanto necessitavam, servindo-me de uma pressão magnética.

E assim foi que aquelas infelizes entidades se entregaram ao sono indispensável à recuperação espiritual, às quais quatro séculos de ódio, de incompreensão e de inconformidade, haviam aprofundado os terríveis e dramáticos sofrimentos originários da perseguição religiosa movida pela Inquisição de Portugal, de sinistra memória.


(10) Durante a recepção desta obra foi-me concedida a visão desses Espíritos, com as indumentárias típicas da época. Das mais comoventes era a configuração da personagem Rubem, menino vivo, inteligente, regulando treze anos de idade, com efeito, e como que nervoso, atemorizado. Trajava, veludo negro, calções e meias à moda da época, semblante marmóreo, lábios finos, olhos vivos e chamejantes, um pequeno gorro tipo “casquete”, com pequena pluma branca. De quando em vez, num ricto de dor, levava os dedos unidos à altura da boca e soprava-os, como se sentisse ardência. (Nota da médium).

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